Para Alan Kingsberg, a grande diferença entre escrever o roteiro de uma série e o roteiro de uma longa metragem é que, a série é um processo contínuo com regras e costumes e modelos que têm que ser cumpridos para cada episódio. Abaixo, publicamos trecho da entrevista concedida ao b_arco pelo roteirista, antes de sua chegada a São Paulo para ministrar um curso e um workshop no b_arco.
Alan escreveu numerosas séries para canais abertos e a cabo, incluindo Law and Order, Nickeloden’s e Are You Afraid of the Dark, da NBC. E também foi showrunner em cinco séries de animação de Tv, incluindo os hits: Winx Club, Pokemon e Cubix. Como show runner, ele produziu/escreveu mais de 220 episódios de 30 minutos.
1) b_arco: No Brasil atualmente a produção de séries para Tv espelha o modelo do cinema, onde na maioria dos casos é o diretor quem conduz o processo criativo. Em nossa telenovela, por outro lado, é o autor quem cumpre esse papel. Como funciona o modelo americano, no caso das produções de séries e/u sitcoms? E por quais motivos este modelo seria mais ou menos vantajoso?
Alan: A TV americana é um meio de escritor. Os Showrunners tanto nos dramas de uma hora, como nas comedias de meia hora, são quase sempre os escritores. O sucesso de uma serie exige a geração de entre 13 a 22 excelentes episódios ao ano – o que significa 88 excelentes histórias (desde que cada programa pode ter quatro histórias) e isso só se consegue os escritores. Muitas vezes o programa terá um produtor executivo ou produtor coexecutivo que é o diretor. e essa pessoa toma conta da aparência do programa (look of the show) e da contratação dos diretores dos episódios. Dá para ver numa série como The Shield (O Escudo), o diretor Scott Brasil criou uma aparência distinta e dinâmica que contribuiu muito para o sucesso da série. Mas o coração e o ímpeto da série, de uma temporada pra outra, realmente dependia do showrunner. o escritor, Shawn Ryan.
2) b_arco: Em um dos extras de “Friends” é retratada uma reunião da equipe criativa, onde todos os roteiristas discutem um episódio da série. Este mesmo modelo de trabalho é adotado também no dia-a-dia de outras sitcoms? Indo mais adiante, há uma diferença no modelo de trabalho entre séries e sitcoms nos EUA?
Alan: Todos os programas têm salas de escritores, mas cada um as utiliza de diferentes formas. No 30 Rock, tem duas salas com aproximadamente 4 escritores em cada sala. Uma sala tem a pauta de criar os 3 ou 4 histórias que integram um episódio. A outra sala se dedica a revisar as cenas, afinando as piadas e gerando o roteiro de produção. shooting script. No meio deste processo, um escritor individual tenta redigir um rascunho inicial do roteiro. Pelos programas de uma hora, tem uma sala onde os escritores “quebram” as histórias, o que quer dizer que eles elaboram as cenas e definem o ritmo do episódio. Normalmente isso é realizado pelo escritor e o showrunner, e às vezes os produtores coexecutivos também são escritores. Aí o escritor tira o modelo e definição parcial do ritmo, e escreve uma versão do episódio. Quebrar a história demora aproximadamente uma semana. Aí, a redação do próprio roteiro demora entre uma semana a 10 dias.
3) b_arco: Em sua opinião, qual a principal diferença entre escrever diálogos para cinema e Tv? Em “Mad Man”, por exemplo, é comum ouvir de seus diálogos que são cinematográficos, pois há grande espaço para o subtexto. Concorda com essa afirmação? Qual sua visão sobre isso?
Alan: Mad Men tem uma qualidade cinematográfica, na forma que cria emoção e ambiente usando imagens e não diálogo, mas é fundamentalmente um programa de televisão, e movido pelo diálogo. Para mim, a grande diferença entre escrever o roteiro de uma série e o roteiro de uma longa metragem é que, a série é um processo contínuo com regras e costumes e modelos que têm que ser cumpridos para cada episódio. Cada semana têm novas histórias, mas se narram de uma forma semelhante – uma forma que foi cuidadosamente elaborado pelo showrunner. Uma série tem certa quantidade de histórias (Mad Men tem 3 ou 4), uma certa quantidade de atos (MM tem 5). A história “A” normalmente tem a ver com o protagonista (Don). Tem histórias que terminam em suspense, com a ação não resolvida (“cliffhangers”). Tem diversos desfechos. Às vezes as histórias estão ligadas dramaticamente. Em outras palavras, a TV é mais definida e mais restritiva do que um filme. Por outra parte, a tela pequena não permite o mesmo tipo de narração visual que se realiza no cinema.
4) b_arco: O que considera essencial para a construção de uma série em termos de sua dramaturgia? O que constitui, por exemplo, uma boa premissa, em sua opinião? E o que considera essencial para a construção de personagens em uma série de Tv?
Alan: Isso é uma ótima pergunta, e eu a abordo direto na aula. Um número excessivo de pilotos são simplesmente filmes de 30 ou 60 minutos. Um piloto bem sucedido deve funcionar tanto como um episódio excelente quanto um projeto (“blueprint”) por uma série contínua. Para que um piloto tenha condições de sustentar desde 50 a 100 episódios, precisa ter um forte conflito explicito central. Esta é a parte mais difícil e mais importante na criação de uma série. Quanto aos personagens, suas histórias devem ecoar este conflito central também.
5) b_arco: Você escreveu mais de duzentos episódios para séries distintas, como “Winx Club”, “Law and Order”, “Pokémon”, entre muitos outros. Destes trabalhos há algum que considere particularmente marcante em termos de estrutura? Qual deles, e por qual motivo?
Alan: Cada série tem sua própria estrutura e seus próprios costumes. As minhas favoritas eram Are You Afraid of the Dark? [Sente medo das trevas?], Winx Club e Law and Order [Lei e Ordem]. Are You Afraid of the Dark? Tinha duas histórias, um delas movida pelo argumento (e bem assustadora) e a outra história é pessoal. O showrunner queria que a primeira e a segunda história atingissem o climax (to peak) no mesmo momento e na mesma cena. Isso foi um desafio enorme para os escritores mas quando deu certo agradou muito ao público. No Winx Club, as Fadas Alfphea tentavam salvar ao mundo no meio de uma vida bem sucedida, no colégio com namoros, amizades e lição de casa. Mas o sucesso da série ao meu ver veio do fato que tinha emoção. Agora, Law and Order: Criminal Intent tinha Goren, um mestre detetive socialmente e emocionalmente deficiente. Este personagem foi o componente mais interessante da série. Em termos estruturais, tinha o trecho que chamávamos o “aria,” a cena de 5 a 6 minutos no climax do programa quando os detetives tiram a confissão do culpado. O sucesso do episódio sempre dependia de um bom ‘aria.’
6) b_arco: O que o motivou a escrever para Tv? Tem a intenção de escrever também para cinema no futuro? E o que o levou a ter o desejo de repassar este conhecimento adiante em seus workshops?
Alan: Estudei na escola de pós-graduação de filme da Universidade de Nova York (NYU Graduate Film School) para virar cineasta. O curso exigia que você escrevesse os próprios roteiros pelos filmes que ia fazer. Foi assim que aprendi a ser um escritor, da necessidade. Após da formatura, trabalhei tanto como escritor quanto como diretor, mas recebi mais trabalho como escritor e foquei mais nessa atividade. Por outra parte, um escritor não precisa ser contratado para poder trabalhar. O único que você precisa é a sua imaginação, as suas emoções e um computador. Nesse sentido pode ter mais controle sobre o próprio destino quanto escritor. Comecei a ensinar na Columbia University em 1999 e desenvolvi uma técnica muito específica para ensinar como escrever para TV e ter sucesso. Costumava sair do trabalho num programa, e pegava o metrô para Columbia onde dava um workshop com 12 estudantes. Na sala de aula, o único que importava era a qualidade do trabalho. IBOPE, marketing, interferência por parte da emissora – nada disso existia. A pureza da missão do ensino era animadora. Eu só costumava dar uma ou duas aulas por ano porque estava tão ocupado trabalhando profissionalmente como escritor. Aí em 2009, decidi que ia ensinar mais e comecei a oferecer oficinas e seminários particulares. Ao ver os estudantes no processo de desenvolver excelentes histórias e melhorar as habilidades como escritores traz uma enorme satisfação.
As perguntas foram elaboradas por Aleksei Abib
Roteirista e professor de roteiro do Centro Cultural b_arco – SP
Dez, 2012
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