Sinopse
Entre 1831 e 1843, 20 mil africanos chegaram a Pernambuco, litoral leste do Brasil, na condição de escravos, contrariando a lei antitráfico de 1831. Estava entre eles Yaá ou, como ficou registrada, Cândida Maria da Conceição, nome composto e sobrenome adquiridos em Recife, provavelmente para fazer parte de uma religião e ter registro como propriedade. Pela Lei de 1831, toda carga humana apreendida nas costas brasileiras seria considerada livre: Artigo 1º – “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora dele, ficarão libertos”.
Yaá estava a bordo da escuna Clementina, apreendida nas proximidades de Goiana. Era, desde aquele instante, africana livre, mas deveria viver um período de catorze anos de trabalho para uma família local. A família pagaria ao Governo da Província um arrendamento anual e deveria ensinar a Cândida a língua, a religião e um ofício. Da captura ao embarque em navios europeus, os africanos ficavam presos entre seis meses e um ano. Passavam três meses na costa africana à espera do embarque. A travessia da África ao Brasil levava um mês.
A cada africano cabia um espaço de 0,45 m² a 0,65 m² no convés. Um quinto da população embarcada morria, exposta a febres, disenteria, outras doenças e contaminação da ração. Com a lei antitráfico, os compradores queriam mais mulheres, em especial crianças e adolescentes, para aumentar a reprodução, mas quem determinava a idade e o sexo dos escravos eram os fornecedores africanos. Yaá vivia em uma aldeia africana, cuidando de um quintal com aves, quando foi capturada por mercadores de pessoas. Colocada dentro de um barco, sem saber para onde ia, imaginou que era levada às terras do fim do mundo. Chegou a Recife. Na nova terra, viu pessoas muito brancas e estranhou que sua gente fosse assim: pálida, semblante de doente, tão sem cor.
Pela Lei, soube depois, ela era livre, mas essa liberdade só poderia acontecer depois de passar catorze anos a serviço de famílias recifenses que, em troca do trabalho, concordariam em lhe ensinar um ofício, dar-lhe educação e formação religiosa. Yaá vivia em uma aldeia africana, cuidando de um quintal com aves, quando foi capturada por mercadores de pessoas. Colocada dentro de um barco, sem saber para onde ia, imaginou que era levada às terras do fim do mundo. Chegou a Recife. Na nova terra, viu pessoas muito brancas e estranhou que sua gente fosse assim: pálida, semblante de doente, tão sem cor.
Pela Lei, soube depois, ela era livre, mas essa liberdade só poderia acontecer depois de passar catorze anos a serviço de famílias recifenses que, em troca do trabalho, concordariam em lhe ensinar um ofício, dar-lhe educação e formação religiosa. Após algum tempo atuando como vendedora de tecidos e sem receber os benefícios que lhe foram prometidos, Yaá pede à justiça que a emancipe, como previa a lei, pois poderia viver sozinha de seu trabalho. Por três vezes, porém, no espaço de alguns anos, sem querer ouvir como se sustentaria, o juiz nega sua emancipação, alegando que ela logo se tornaria mais uma miserável a viver na rua e sem outra alternativa senão vender o corpo para sobreviver.
Em alusão a essa possibilidade, o advogado da família arrendatária a apelida de Penélope Africana, insinuando que ela, à semelhança da Penélope de Ulisses, já recebia outros homens por se ver só. Yaá vivia em uma aldeia africana, cuidando de um quintal com aves, quando foi capturada por mercadores de pessoas. Colocada dentro de um barco, sem saber para onde ia, imaginou que era levada às terras do fim do mundo. Chegou a Recife. Na nova terra, viu pessoas muito brancas e estranhou que sua gente fosse assim: pálida, semblante de doente, tão sem cor. Pela Lei, soube depois, ela era livre, mas essa liberdade só poderia acontecer depois de passar catorze anos a serviço de famílias recifenses que, em troca do trabalho, concordariam em lhe ensinar um ofício, dar-lhe educação e formação religiosa.
Após algum tempo atuando como vendedora de tecidos e sem receber os benefícios que lhe foram prometidos, Yaá pede à justiça que a emancipe, como previa a lei, pois poderia viver sozinha de seu trabalho. Por três vezes, porém, no espaço de alguns anos, sem querer ouvir como se sustentaria, o juiz nega sua emancipação, alegando que ela logo se tornaria mais uma miserável a viver na rua e sem outra alternativa senão vender o corpo para sobreviver.
Em alusão a essa possibilidade, o advogado da família arrendatária a apelida de Penélope Africana, insinuando que ela, à semelhança da Penélope de Ulisses, já recebia outros homens por se ver só. Sem poder justificar suas formas de sobrevivência como comerciante, sob o risco de a lei considerar seus ganhos e bens como roubo ao arrendatário e à senhora que a tinha por aluguel, e pouco podendo fazer em relação ao apelido maldoso que não aceitava e o tinha como injúria, quase nada restava ao advogado de Yaá, a não ser esperar que o juiz, por um entendimento fora dos padrões, aceitasse emancipá-la.
O romance Penélope Africana é contado na primeira pessoa pela própria Yaá. A narrativa começa em sua terra, na África, e alcança sua morte, em uma casa na beira de um dos rios de Recife. Mas Yaá continuou à espera de sua liberdade. Tudo que Yaá quis desde que chegou às terras do fim do mundo foi poder voltar para casa.
Antes do Romance
Esta história começou a acontecer depois que li dois livros: Pretas de Honra – vida e trabalho de domésticas e vendedoras no Recife do século XIX (1840– 1870), de Maciel Henrique Silva, e Liberdade – Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822–1850, de Marcus J.M de Carvalho. Os dois livros, publicados pela Editora da Universidade Federal de Pernambuco. A documentação em torno das solicitações de Cândida está arquivada no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, com o título Apelação Crime do Juízo de Direito do Crime de 1ª. Vara do Recife, 1843–1844. Apelante: Cândida Maria da Conceição. Apelada: D. Anna Nobre Ferreira. Ao todo são 58 folhas.
Deixo meu obrigado aos historiadores Maciel Henrique da Silva e Marcus Carvalho pela tarefa de tornar visível uma parte importante do Recife. E por suas pesquisas, resgatando do silêncio e da indiferença pessoas com pele, ossos e sentimentos.
Outros autores foram importantes e me ajudaram a imaginar cenários e situações do Século XIX. Orlando Parahym – Doenças dos Escravos em Pernambuco. Beatriz Gallotti Mamizomian – O direito de ser africano livre – os escravos e as interpretações da lei de 1831. Pierre Verger – Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre Golfo de Benin e a Bahia. Leonardo Dantas Silva – alguns documentos para a História da escravidão. Lenine Nequete – Escravos e Magistrados no Segundo Império. Hebert S. Klein – O comércio Atlântico de Escravos. Houve consultas rápidas a um número maior de artigos escritos por historiadores contemporâneos. Sempre, consultando os livros na biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco e na biblioteca pública do estado de Pernambuco.
Agradeço a leitura, correções e sugestões de Ana Beatriz Manier. Agradeço a leitura atenta de Juliana Torres, Mariana Paz, Marciliana Maria da Conceição e Patrícia Raposo. Agradeço a Deborah Echeverria e Ricardo Leitão por apoiarem a edição do livro. Agradeço a Sílvia Cordeiro, Mariana Paz e Jane Coutinho que resgataram Yaá da ficção para a realidade, criando o Instituto Casa de Yaá para apoiar mulheres negras nos estudos e na busca de fontes de renda, para pedir a emancipação, ainda que tardia, de Cândida Maria da Conceição.
Apresentação nas abas da capa de Penélope africana, por Ana Beatriz Manier.
Em jaulas de cipó, assim milhares de africanos foram emboscados em suas terras e jogados em barcos que atravessariam o mar sob condições degradáveis, rumo ao Brasil e a todo o Novo Mundo, mesmo após a proibição do tráfico de escravos de 1831. Para os chegados a Pernambuco, a situação não foi diferente.
Sem distinção de gênero ou idade, bastava serem negros e aptos ao trabalho para, sob a justificativa de uma lei ambígua e manipulável, aportarem como homens e mulheres livres, porém temporariamente arrendáveis, a serviço de senhores e senhoras brasileiros. Às mulheres e às meninas, cabiam os trabalhos domésticos, as pequenas entregas e consertos, a venda de objetos de porta em porta. Ou a prostituição.
Chegada pouco antes do primeiro sangramento, com idade estimada entre dez e catorze anos, Yaá, que em sua aldeia de origem cuidava de aves de terreiro, é logo arrendada como vendeira de tecidos e lançada às ruas do Recife, onde virá a aprender a língua, o costume, as espertezas e as falhas de um povo de homens maus.
Contando com a amizade de Samula, o companheirismo de Manoel e sua própria força de trabalho e determinação, Yaá, por batismo arbitrário chamada de Cândida Maria e por malícia jurídica de Penélope Africana, finalmente conseguirá ganhos que irão lhe permitir a emancipação e o retorno a sua terra, não fossem as contradições e desonestidades da justiça de um país desde sempre associada aos laços de família e de amizade.
Décimo livro de André Resende, Penélope Africana é um romance corajoso construído com a responsabilidade de quem respeita os registros históricos e a habilidade de quem domina a esfera da imaginação.
Com uma escrita ágil e inovadora e com neologismos que de tão naturais logo se tornam familiares, o autor transita com facilidade entre a realidade e a fantasia, envolvendo a todos num Brasil escravocrata e cruel, sem, porém, privar-nos da poesia de sua ficção. Por meio de uma narrativa primorosa, na primeira pessoa de uma voz feminina que insiste não se calar, o romance cresce a cada capítulo ao ir além dos dramas cotidianos de uma africana submetida a privações, nos presenteando com o fortalecimento de sua personalidade e a conscientização de seus direitos.
Mas, legítimos por lei, os direitos dos negros jamais foram respeitados, não cabendo a eles finais felizes. No caso de Yaá, há ainda a chance de se modificar o passado atendendo ao seu pedido de emancipação, até hoje em aberto na corte recifense à espera de julgamento. Por Yaá ou Cândida, Penélope sem Ulisses, que a justiça seja feita, enfim.
Penélope Africana é um romance maravilhoso, envolvente. Tem uma linguagem ágil, cativante, e uma leitura que agarra e tira o fôlego.
Sobre o autor
André Resende é escritor. Sua obra alcança diversos gêneros literários e jornalísticos: Mundo Enquadrado – o lugar dos símbolos nas coisas reais (ensaios, cultura), Zômis – em torno do masculino (ensaios, psicanálise), Amor Vário (romance), Birdboy (romance), Quem sou eu (infantil), Ermitongo (infantil), Quem disse sim (poesia), Maçã Caramelada (teatro), Uma coisa de cada vez (contos).
Serviço
Data: 08/08/2018
Horário: das 19h às 21h
No Centro Cultural b_arco
Entrada Gratuita