O blog do b_arco inicia hoje a publicação de uma série de trabalhos de alunos que passaram pelo centro cultural. Textos, fotografias, produções audiovisuais, obras plásticas, peças teatrais em cartaz, tudo é válido!
Para esta inauguração do espaço virtual Feito no b_arco*, disponibilizamos aqui textos de uma aluna fiel que já passou por algumas turmas e cursos diferentes dentro do b_arco, Lucimar Mutarelli. Leia abaixo um dos textos de sua autoria, produzido durante a participação nas Oficinas de Criação Literária, com Marcelino Freire:
Subtraindo
343.000 quilates. Meu peso antes da separação.
A subtração virou meu pesadelo, começando a contar a partir de agora.
Somo a força da batida na porta com a quantidade de você arrancada de mim.
Resultado óbvio. Se eu não tivesse revirado seu celular, se eu não tivesse invadido o seu e-mail, a lógica seria você ainda estar de roupão e ficaríamos rindo e conversando e terminaríamos o suco de laranja e eu te daria só meia fatia de pão francês e queijo branco e olha o colesterol e eu curando o seu fígado e fazia gelatina e te dava chá de boldo e, rindo da sua careta, te beijaria 258 vezes.
Infidelidade. Podia ser como o índice que finjo ler no jornal. Invisível. Bonnie Tyler grita e não me consola dizendo que você era o único garoto que me queria do jeito que eu sou. Todos os lenços da caixa. Rasgo a tampa de mais uma. Equaciono as cartelas de antidepressivo, barras de chocolate light e o chá de alecrim que mamãe pediu pra Tânia fazer.
Esmago as torradinhas sem glúten sem açúcar sem gordura sem sabor. Trituro cada um dos pedacinhos em cima do porta-retrato. Nós abraçados. Amarrados pela bandeira de Londres e você com a coroa da rainha. Andamos o dia inteiro pra achar uma igual, do jeito que você queria.
Não durmo mais no quarto minguante. O lado vazio na cama. Abajur desligado. Esqueceu alguns livros grifados, escondo na estante, atrás dos álbuns de fotos. Releio suas frases preferidas e revejo nossos melhores momentos. Flores, Mongólia, Índia e Londres enquadram dias completos. Alegria congelada. Desenho balões e rabisco as promessas de amor. É um passado tão recente, foi tudo tão rápido e tão mágico e tão intenso. Queria tanto ser grato por tudo isso e, no entanto, amoleço, me diluo, deito de novo e rezo, implorando para doer menos.
Saio e me encontro com outros. Deito com um milhão de homens. Falsifico você.
Perco 200 miligramas a cada beijo desperdiçado. Amputado. Sou dividido pelas horas no escritório, processos perdidos, saldo negativo, a bebedeira e os baldes ao lado da cama. É tanto vômito, excremento e alimento mal digerido que já posso voltar a usar a calça branca que você tanto gostava.
O anel que tu me destes era vidro e se quebrou. Desmedido. Outro dia a Tânia achou uma meia atrás da lavadora. Voltou tudo. Dor de barriga, tremedeira, taquicardia e outro estoque dos lenços de papel. Lembranças fracionadas. Quadros, discos e a coleção de ursos. Andrezinho diz que é assim mesmo e fases do luto e vai passar e logo a gente tá rindo de novo e força e tem uma exposição no CCBB e abriu boate nova. Me mandou até um texto que eu apaguei sem ler. Fases merda nenhuma. Tem dias que eu te queria agora.
Permito outro meio milhão de corpos e eles continuam a não ser você. Migalho. Sou um menino esvaziado. Zerado.
Mamãe veio e fez sopa, mingau, canja e suco de cenoura com maçã e brócolis. Andrezinho fez a agenda cultural e vimos tudo e não paramos um minuto e parei de te seguir no facebook e fomos pra Campos e alugamos filmes e era pipoca e bolo de chocolate e lasanha e a mamãe falou primeiro engordamos o corpo, depois cuidamos da alma e nós rimos e eu olhei pro tapete e reclamei uma bobagem e o Andrezinho escondeu a Bonnie e trouxe outros livros, mais discos e tinta.
Tinta? Eu reclamei e ele me ignorou e pintamos uma parede de verde e mudamos os móveis e a estante voltou pra sala e doamos as sobras foram virando outra coisa e eu chorava menos e ganhei uns processos e o gerente agora é meu amigo e dei um tempo com a bebida e a mamãe mandou as receitas e todo dia a Tânia faz um suco diferente e a minha pele está ótima e tem um brilho no meu cabelo e os fios estão fortes e estou correndo de novo e fui passar o dia no shopping e renovei as bermudas e andei na Paulista e paquerei uma bicicleta e olhei para os prédios e toda aquela luz e aquela gente e eu animado quase curado tomando sorvete e vi a balança e gostei dos quilates recuperados e o mocinho no celular sugeriu Ubatuba e eu disse que sim e vamos e a ciranda reinicia.
Vamos dar a meia volta, volta e meia, vamos dar.
lucimar mutarelli – 15 de setembro de 2014
Aluna de literatura e audiovisual, Lucimar agradeceu pela oportunidade falar, escrever e participar e ainda enviou, junto ao texto uma declaração de como chegou e como viveu momentos por aqui:
“Eu cheguei no barco pelas mãos do meu marido, Lourenço Mutarelli porque ele amava e respeitava muito o espaço e os meninos (é assim que ele se refere ao Gabriel e ao Jiddu)
Comecei tímida e fui conduzida pelas mãos do mestre e querido amigo Marcelino Freire que além de me receber na embarcação e conduzir sua oficina com mão livre e firme ainda abriu o caminho para meu filho trilhar também
No barco eu fiz grandes amigos muito além do facebook. Amigos de literatura e amigos da vida. Foi no barco que eu tracei as primeiras linhas do Férias na prisão (meu segundo romance) e foi no mesmo barco que eu conheci minha amada Regina Junqueira, criadora do Coletivo Literário Martelinho de Ouro que é formado por alunas do barco que proporciona literatura mágica no meu rio empalavreado (Marcelino deixa a gente inventar palavras também)
Neste grande navio conheci Thiago Romaro e Silvia Camossa, amigos pra vida inteira, parceiros na embarcação
E a recepção? E o sorriso do Tiago, a competência e simpatia do Alessandro, a doçura da Julia e a companhia da Marcia, da Luísa, da Isa? Sempre tem uma palavra amiga, um carinho e um café ou um lanchinho de tapioca e um pãozinho de queijo assado na hora? Marinheiros que aquecem o estômago a mente e o espírito
50% do meu novo livro, Terceira Pessoa, foi escrito no barco, provocações do professor Marcelino e os outros 50% são reflexos de tudo que aprendi navegando com os colegas, estudando, ouvindo, fazendo selfie com Caetano (obrigada pra sempre Luciana Dal Ri) ou com John Vorhaus (quem me contou foi o Tiago também e fez a foto) e o apoio no PowerPoint, no som, e filmes e shows e palestras e baladas
Baladas? Minha primeira Balada Literária vivi no b_arco!!!!!!!!!!!!!!!!!
Gente, é estrada demais nesse rio. Marcelino odeia lugar comum mas não vou escapar de dizer que foi nesse b_arco que eu naveguei e cresci e aprendi e fugi da Literatura e caí nas garras dos cursos de Roteiro e Cinema e Televisão e tanta música e tantas palavras e pela primeira vez vou lançar um livro no b_arco, no dia do meu aniversário, pelas mãos de todos e muito obrigada pra todo o sempre e que Deus abençoe este barco e essas pessoas que embarcaram e sorriem e amam e criam e inspiram todo dia toda hora com amor fé no Brasil e na cultura e que só a educação e o conhecimento podem nos livrar de todo mal
Amém <3″
*Se você também é ex-aluno do b_arco e deseja publicar seu trabalho aqui, entre em contato com comunica@barco.art.br