Ao falar sobre ética quanto ao uso de biografia no teatro, a diretora Vivi Tellas – que irá ministrar o curso Biodrama – A família como teatro – diz não ver problemas éticos com este tipo de trabalho, “pois é realizado com pessoas que podem decidir compartilhar suas histórias.”
Vivi Tellas é uma das diretoras mais influentes do teatro experimental argentino, criadora do Biodrama e uma das maiores referências do Teatro Documental. Trabalha há muitos anos colocando o teatro em contato com outros mundos, rastreando elementos teatrais em vidas, situações ou disciplinas fora do teatro. Ligado ao gênero documental, seu teatro não se limita à representação mas a apresentação de “casos”.
Leia abaixo a entrevista que a atriz e diretora, Janaina Leite (Grupo XIX de Teatro), fez com Vivi Tellas, exclusivamente para o blog do b_arco.
Janaina Leite: Em que momento da sua trajetória você se desinteressa pelo teatro dramático?
Vivi Tellas: Em 2002, estreei A Casa de Bernarda Alba, de Garcia Lorca, no Teatro San Martin, o teatro de maior prestígio da Argentina e com a melhor equipe, e para minha surpresa, foi um enorme sucesso. Senti que tinha chegado a um limite e me distanciei do teatro, então eu comecei de novo, por um novo caminho. Criei o Biodrama, um projeto para trabalhar com biografias cênicas. Convidei Stefan Kaegi para o trabalho, ele foi uma grande inspiração para mim no caminho do teatro documental. Em 2003 fiz minha primeira peça documental, Mi Mama y mi Tia, com minha mãe e minha tia de verdade em cena.
Janaina Leite: Você considera importante conceituar o que é o “teatro documental” distinguindo-o dos outros “teatros”?
Vivi Tellas: O termo Teatro Documentário refere-se ao trabalho com intérpretes não-atores. É uma maneira de dar sentido a essas experiências.
Janaina Leite: Nesse sentido, uma peça “baseada em fatos reais” ou que “fala” da realidade pode ser considerada documental ou o documental pressupõe questões formais como a presença de não-atores?
Vivi Tellas: Eu acho que a presença de não-atores no palco é uma decisão muito radical. É uma experiência muito instável e frágil. O termo “teatro documental” se aplica melhor a este método. O meu projeto Biodrama é mais amplo, é sobre a biografia cênica, retratos, por isso prefiro referir-me a intérpretes, pode ser atores, bailarinos ou pessoas sem nenhuma experiência teatral.
Janaina Leite: Como você colocaria a questão da ética ao pensar no uso das biografias em cena? Tanto ao falar da vida de alguém que existe na “vida real” como acontece nos biodramas, quanto ao colocar não-atores em cena contando suas histórias pessoais?
Vivi Tellas: Não encontro problemas éticos com este tipo de trabalho. É realizado com o consentimento das pessoas que podem decidir compartilhar suas histórias. Finalmente, penso que tudo o que está no palco é ficção.
Janaina Leite: A que se deve, ao seu ver, essa explosão de experiências documentais no teatro? O teatro documental estaria respondendo melhor às questões da realidade ou haveria algo de modismo nisso?
Vivi Tellas: O teatro documental estaria respondendo as questões do teatro. Creio que ele coloca em conflito a ideia de “falso” no teatro, a ideia do teatro como uma cópia. E, claro, o que está mais em crise, o autor. Estou interessada em trabalhar com o acaso e o erro. Me parece que é no acaso e no erro que estão as novas ideias.
Entrevista concedida em 16/11/2013
Saiba mais sobre o curso Biodrama – A família como teatro, que Vivi Tellas dará no b_arco a partir de 29/11.