A pandemia alterou profundamente o cotidiano, tirou de cena certos hábitos e intensificou outros. Entre os que ganharam protagonismo com o advento da Covid-19 está o tempo maior de uso dos aparelhos eletrônicos conectados à Internet. Passa-se horas e horas dos dias trabalhando, distraindo, informando, indignando, com os olhos vidrados em telas luminosas. Essa era uma realidade já existente antes da pandemia, mas não resta dúvida de que para aqueles que podem se dar ao luxo de fazer quarentena, a vida online se tornou ainda mais intensa.
Ao longo dos dois encontros o curso pretende se aproximar justamente dos desdobramentos desta vida “algorotimizada”. Nos cabe perguntar o que ainda podemos criar como resistência em meio a um período no qual a nossa atenção é disputada por uma torrente de informações, disparadas por smartphones e toda variedade de veículos de comunicação, no qual somos abordados ininterruptamente pelos algoritmos da Internet. O que será do espaço público, do comum, quando passamos a maior parte do tempo apartados da realidade, imersos em bolhas de semelhantes nas redes? Como podemos desenhar outros futuros quando o porvir passa a ser pré-determinado pelos algoritmos, à nossa revelia? Como podemos fertilizar a imaginação quando o excesso de estímulos parece anestesiar a nossa capacidade de projetar horizontes futuros?
Note-se, toda a engrenagem das chamadas plataformas digitais foi e continua sendo operada por pessoas da área de ciências exatas, mas os efeitos de seus usos têm implicações estreitamente ligadas com o campo das humanas. Mas é sobre a nossa subjetividade, a nossa percepção, os nossos afeitos, os nossos vínculos políticos que as mesmas incidem. Logo, torna-se um desafio crucial pensarmos esse contexto desde um outro ponto de vista.
Se concordamos que “a colonização ocorre quando estamos cercados pelos chamados ‘dispositivos inteligentes’ que constantemente nos observam e nos gravam, coletando grandes quantidades de dados” – pois, seguindo as palavras do filósofo camaronês Achille Mbembe, é disso que se trata, também, a colonização no século XXI –, então pensar formas de descolonização na nossa época passa, também, por uma visão crítica diante das consequências do uso da tecnologia em meio a uma contemporaneidade marcada pela hiperestimulação sensorial, pela compulsão à ocupação, pela hiperconectividade, pela onipresença das redes sociais.
Assim, ao longo deste curso buscaremos pensar o tempo presente de um ponto de vista que toma para si as consequências desta conjuntura marcada pela aceleração, pela colonização do sono, pelo déficit de atenção, pelo esgotamento psíquico, em um mundo 24/7 (funcionando 7 dias na semana, 24 horas por dia). Para dialogar com esse contexto de uma “época intranquila”, traremos à luz as obras de diferentes artistas contemporâneos de forma a pensarmos tais impasses através de suas respectivas poéticas e, quem sabe, nesse encontro, vislumbrarmos estratégias para que possamos instaurar outras temporalidades, outras formas de atenção e diferentes relações com a dimensão pública no nosso cotidiano.
Não por acaso escolhemos, aqui, dialogar com a arte. Temos em seu território a chance de olharmos criticamente, por diferentes ângulos, para a cartografia do mundo 24/7. Temos a possibilidade, ainda, de recobrarmos uma sensibilidade a cada dia mais anestesiada. Fazer essa escolha, sabemos, pode soar como uma alternativa ingênua diante da dramaticidade que caracteriza a nossa realidade atual. Mas não deve ser por acaso que os mesmos que trabalham por um mundo sem florestas, sem educação, sem pensamento, também trabalhem por um mundo sem arte, sem cultura. A possibilidade de criação de outros mundos possíveis na esfera da arte a torna um elemento de força insuspeitada no que toca a chance de vislumbrarmos um futuro que não reproduza esta “humanidade zumbi”, forjada em meio a um grande mundo-cassino, no qual tudo se torna mercadoria e no qual a nossa subjetividade se transforma na principal matéria-prima do capitalismo tardio. Assim, ao longo deste curso iremos ter na arte um campo fértil de resistência e abertura para imaginarmos outros futuros possíveis.
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Artistas cujas obras serão vistas e debatidas ao longo do curso (essa lista pode sofrer pequenas alterações no decorrer do processo): Bárbara Wagner & Benjamin de Burca, Cao Guimarães, Guerreiro do Divino Amor, Matheus Rocha Pitta, Pedro França, Rivane Neuschwander, Rosangela Rennó, Virginia de Medeiros.
Aluno
Carga horária total: 2 encontro – 5 horas
Público-alvo: interessados e estudantes nas áreas de arte, tecnologia, educação e psicanálise
*Não conseguiu assistir a algum dos encontros ao vivo? Sem problemas, nós enviamos a gravação da aula no dia seguinte, por email, em links pessoais e intransferíveis que ficam disponíveis por 7 dias corridos após a realização da aula ao vivo.
*Todos os cursos do b_arco oferecem certificado de aproveitamento, com detalhamento de carga horária, que são enviados por email 1 semana após o encerramento do curso.